quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Curso Conversas - "Memória I" com Profª Graça Reis (CAp UFRJ)





























      Por: Franco Biondo
     O módulo de Memórias foi ministrado em um único dia pela professora Graça, uma das coordenadoras do curso. O encontro contou com três momentos: (1) exposição de conteúdo, (2) reconhecimento de partes relevantes de textos apresentados e (3) relatos de vivências marcantes dos cursistas quando alunos. Tal divisão é aqui mencionada apenas para fins de organização, já que, ao longo de toda a atividade, houve uma participação expressiva dos cursistas.
     Durante a fala da Graça, uma das partes que chamou minha atenção foi a constatação de que o trabalho com as memórias de um docente, ou seja, a escritura de um texto acadêmico baseado em relatos de vivências de professores, para muitas áreas do conhecimento (e mesmo para muitos grupos de pesquisa da Educação), não é vista como “resultado” de pesquisa, sendo uma luta constante dos profissionais que trabalham com este tipo de abordagem qualitativa. Do ponto de vista da professora (de todo o ConPAS e deste curso de extensão, inclusive), muitos saberes docentes estão ocultos nas práticas e nas percepções do professor que atua diretamente em sala de aula, de modo que uma das formas mais eficazes de se explorar/construir esses saberes reside no compartilhamento dessas experiências e, consequentemente, na análise de discurso em cima dessa interação.
     Também achei muito pertinente a ideia de que a história de vida de uma pessoa inclui tudo que ela tem dentro dela, todos os eventos, todas as ideias, todas as percepções, todas as felicidades, todas as tristezas, e que é inviável conceber a possibilidade de um exercício de uma profissão (docente, por exemplo) que não seja influenciado por esses, e muitos outros, fatores. Isto caiu, inclusive, no debate sobre o atual Escola sem Partido, e como tal proposta é, no mínimo, irracional. Ainda, levou à conclusão de que o entendimento da própria história de vida cria a possibilidade de entendimento da história de vida de cada aluno, o que abre portas para uma educação emancipatória.
     A Graça, então, compartilha uma memória alheia bastante interessante. Conta a história de uma mulher negra que, durante sua infância, era pobre e filha de pais separados. Teve três professores que, de diferentes formas, não estimulavam seus estudos e, na realidade, a chamavam de burra e diziam que ela nunca conseguiria chegar longe. Após alguns anos, além de ter se formado, a mulher também se tornou professora, mas faz questão de, em seu memorial, dizer que, se fosse por esses três professores, isso não teria acontecido.
     Ainda, como professora, vivenciou uma situação bastante singular, na qual um aluno levou uma arma para a escola. Apesar de a direção ter concluído que levaria o menino para a delegacia, a professora disse que isso não deveria ser feito, decidindo, então, orientar o aluno todos os dias após o turno das aulas. Anos depois, o sujeito retornou à escola e mostrou sua carteira de trabalho assinada para a professora.
     Tal memória, da forma que eu entendi, permite identificar o quanto a nossa formação – plural e contínua do jeito que é – define nossa prática, se considerarmos a total discrepância entre o comportamento dos três professores e o da menina que veio a se tornar também uma professora. Ainda, ilustra a habilidade da professora em se importar com a história do aluno e em buscar uma alternativa fora daquilo que é “padrão”, ou seja, procurando dar voz ao estudante e fazer com que ele se sinta valorizado, algo que não esteve presente em sua própria história de vida como aluna. E é aí que percebemos que, ao entendermos nossa própria história, conseguimos conceber a ideia de que cada estudante também possui a sua própria.
     A interpretação que faço acima está muito provavelmente embasada em tudo que tenho estudado no ConPAS ao longo do ano, o que não significa que é a única leitura possível. Na realidade, o estudo de narrativas pressupõe, inclusive, a ambiguidade e a pluralidade de interpretações, o que provavelmente é um fator que alimenta a discordância por parte daqueles que não são adeptos a essa forma de estudo.
     A seguir, foram fornecidos aos cursistas fragmentos de textos centrados na temática e eles foram divididos em grupos para que identificassem as partes consideradas mais relevantes. Houve dois tópicos que foram apontados por mais grupos: (1) o sujeito revelado na história de vida e (2) a narrativa como autoformação. O primeiro diz respeito ao reconhecimento do sujeito como tal conforme se escreve e se lê uma narrativa sobre a história de vida, enquanto o segundo tópico identifica essa narrativa como ferramenta de formação desse sujeito. Achei interessante que ambos os tópicos haviam sido salientados anteriormente pela Graça em sua fala, e acredito que o maior nível de identificação dos cursistas com tais ideias se deve a seu caráter geral, quando comparados com conceitos mais específicos presentes nos fragmentos.
     Após a Graça ter comentado sobre os fragmentos apontados, os cursistas relataram momentos memoráveis de suas vidas como alunos. Houve uma mistura de relatos de experiências positivas e negativas, a maioria das quais ocorreu em ambiente escolar e se respaldando em um professor específico. Escolhi duas narrativas para colocar aqui, por me permitirem fazer um contraponto com a memória apresentada pela Graça durante o momento de exposição.
     “Na quarta série, eu tinha muita dificuldade no inglês. E eu sempre me cobrei muito, então eu estudava bastante pra conseguir passar inclusive no inglês. Até que chegou um ponto em que eu estava desistindo e aceitando que ia reprovar por conta do inglês. E aí minha professora da época falou pra mim: ‘Paula, você consegue’”.
     “De bom aluno eu só tinha cara. Eu era um péssimo aluno, em tudo. No pré-vestibular eu tive uma série de dificuldades [...]. Eu sentava na primeira carteira e ficava desenhando enquanto o professor de Matemática dava aula. Eu me lembro de, umas duas ou três vezes, ele vir chamar minha atenção e dizer: ‘olha, desenha no intervalo, desenha entre as aulas. Mas procura prestar atenção ali no quadro, isso um dia pode te fazer falta’. Mas, o importante: ele nunca me disse que não desenhasse”.
     Se lembrarmos da memória apresentada pela Graça, concluiremos rapidamente que a atitude dos três professores daquela mulher negra e pobre não tem nada de semelhante com a prática dos professores dessas últimas memórias. Se, por um lado, alguns possam afirmar que a repressão daqueles professores acabou funcionando como estímulo para que a mulher se tornasse uma professora diferente e totalmente capaz de reconhecer seu aluno como sujeito, podemos dizer que, nestes últimos relatos, o estímulo positivo desses professores foi importante o suficiente para ser relatado como memória significativa e, dessa forma, são elementos constituidores da autoformação destes cursistas, os quais, ao revisitarem estes momentos de suas histórias, identificam pontos-chave de suas formações, reafirmando a pluralidade de contribuições que possuem.
     Por fim, com base no envolvimento de todos durante as duas últimas partes da atividade, posso dizer que o encontro se constituiu em mais uma lembrança significativa para esses cursistas. A narrativa como autoformação me parece ser uma das mensagens mais bem exploradas ao longo do encontro e uma que também teve profundo impacto em mim, bolsista do projeto. Oriundo de uma formação técnica ao longo da vida, me deparei, em 2015, com vivências, textos e formas de pensar o mundo totalmente diferentes das quais eu estava habituado. O exercício da narrativa me permitiu compreender minha dificuldade pessoal neste ano e me mostrou o quanto eu aprendi e mudei em um espaço de tempo curto.


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