O módulo de Alfabetização e Letramento foi
organizado e ministrado pela professora Viviane Lontra, sendo dividido em dois
encontros. O primeiro encontro começou com uma apresentação, tanto dos
cursistas quanto da professora. A ideia inicial era que cada um apresentasse o
próprio nome remetendo a um elemento – por exemplo, a cursista Carol enfatizou
a última sílaba de seu nome ao se referir ao sol. No entanto, talvez por uma
timidez inicial, a maioria das pessoas se apresentou normalmente.
A professora, então, falou que está
presente no curso Conversas desde sua primeira edição e que acha muito
interessante ter acompanhado as modificações ao longo do tempo – por exemplo,
ao atender, atualmente, profissionais e graduandos de Pedagogia e
Licenciaturas. Ela aproveitou essa colocação, inclusive, para dizer que
trabalha com a ideia de que todos estamos em constante formação, tanto aquele
que ainda não possui o diploma (e está se formando para isso) quanto aquele que
já está em sala de aula (e continua se formando em resposta à sua profissão).
Ao contar sobre sua história na
docência, relatou uma situação vivida com uma aluna, alguns anos atrás. A aluna
aparecia em sala com o caderno rasgado, sempre faltando algumas folhas, o que
deixava a professora desapontada. Ao ser questionada pela professora, a aluna
não fornecia nenhuma explicação e permanecia em silêncio. Uma solução que a
professora encontrou foi de não deixar que a aluna levasse o caderno para casa,
ao que a aluna respondeu com um sorriso. Após um tempo, em um dia em que os
pais das crianças foram à escola, a mãe da aluna agradeceu à professora por não
ter deixado sua filha levar o caderno para casa. A explicação era de que o pai
da aluna usava as folhas de seu caderno para cheirar cocaína.
A professora se emocionou ao relatar
esta vivência, bem como alguns cursistas e bolsistas do projeto. Essa situação
ilustra muito bem a noção apresentada pela Viviane de que cada aula é um
acontecimento repleto de nuances imprevisíveis. De acordo com essa noção, o
professor que prepara sua aula e olha sua prática docente visualizando sua
turma “de cima” não está aberto e não enxerga esses nuances, como o silêncio da
aluna relatada acima.
Ainda sobre sua história na
docência, a professora contou que, aos 21 anos de idade, começou a trabalhar em
uma escola particular cujo quadro docente era majoritariamente formado por
professoras normalistas antigas na casa. Com a aprovação da lei de acordo com a
qual todos os professores deveriam possuir diploma de graduação, essas
professoras entraram para a universidade. Viviane conta que, a partir desse
momento, foi formada uma troca bastante positiva, na qual ela ajudava as
professoras com os textos teóricos da graduação e recebia conselhos em relação
à sua prática. Mas Viviane também conta que, enquanto ela sacralizava esses
saberes práticos, as professoras sacralizam os saberes teóricos, “como se
existisse um lugar em que você aprendesse tudo”. Esse relato e é essa frase
final me faz pensar justamente na polarização entre teoria e prática na qual
muitos parecem acreditar, por vezes valorizando ou desvalorizando totalmente um
ou outro, como se fossem elementos separados e sem qualquer tipo de
comunicação. Depois de minha vivência no ConPAS e de minha observação nos
encontros do Conversas, fica bastante claro que toda prática é baseada em
alguma teoria, mesmo que isso não seja óbvio para quem realiza aquela prática.
Da mesma forma que toda teoria embasa uma ou mais práticas, mesmo que isso não
seja óbvio em uma observação inicial.
Em um momento seguinte, Viviane
perguntou sobre as expectativas dos cursistas em relação ao módulo de
Alfabetização e Letramento. Uma cursista, Carolina, respondeu que a expectativa
girava em torno da troca de experiências que aquele espaço poderia propiciar,
principalmente porque a formação que ela julga ter recebido é deficiente nesse
aspecto. Carolina relata que, na grade curricular do curso de Pedagogia da
UFRJ, existe apenas uma disciplina obrigatória de Alfabetização e Letramento, o
que ela considera insuficiente dada a complexidade do tema. Outra cursista,
Lorelai, parece discordar desse ponto de vista e ressalta que, apesar de
eletiva, existe a disciplina de Alfabetização e Letramento II, bem como a
possibilidade de se buscar experiências com monitoria em ambas as disciplinas.
Achei esse momento do encontro
bastante interessante, justamente por trazer à tona mais uma vez o aspecto da
formação inicial do professor. Penso que existem elementos propiciadores de reflexão
na fala da Carolina e na fala da Lorelai, e que constituem alguns dos muitos
aspectos que devem ser considerados durante a montagem de uma grade curricular
de graduação. Penso que essa montagem é um momento de escolhas por parte dos
docentes do instituto em questão e que tais escolhas nem sempre resultam na
pluralidade de conhecimentos e vivências que o graduando deve ou deseja
adquirir. Também acho que a questão da sacralização apontada pela Viviane está
presente, já que frequentemente esperamos de um curso de graduação toda a
bagagem necessária para lidarmos com todos os aspectos de nossa vida
profissional (ainda mais se acreditamos nos conceitos de formação contínua e
continuada). Nesse sentido, Viviane pergunta: “Mas se houvessem 50 disciplinas
de Alfabetização e Letramento... Seria suficiente?”. Fica a reflexão.
Viviane, então, pede para que os
cursistas tentem resgatar duas lembranças mais antigas sobre a alfabetização. Uma
das cursistas que se manifestou disse que foi alfabetizada pela mãe, numa época
em que não morava no Brasil. Ela relata que, todo dia depois do almoço, a mãe,
que atuava como sua instrutora, cumpria uma cartilha de alfabetização diária
com ela, de modo que, no final do ano, todas as cartilhas haviam sido feitas.
Também diz que lembra de “juntar as letras” ao acompanhar seus pais fazendo
palavra cruzada. Achei esta última parte desse relato bastante interessante
porque mostra que um momento de aprendizado de leitura veio a partir de uma
atividade diária e que não trabalhava com as letras isoladas, mas unidas para
formar palavras, as quais, dentro de um jogo de palavra cruzada, possuem um
sentido. E isso, conforme ficou evidente ao longo do encontro, parece ser
importante na alfabetização.
Em uma atividade seguinte, Viviane
mostrou uma sequência de imagens chamada “As Coisas Vistas de Cima”, na qual
cada imagem era mostrada por uma visão superior e, a seguir, frontalmente. O
bacana era que, na maior parte das vezes, os objetos vistos de cima pareciam
outra coisa ou mesmo não permitiam que os cursistas chegassem a uma conclusão.
Viviane traça, então, um paralelo entre essa atividade e a sala de aula,
dizendo que um professor que utiliza essa “visão superior” durante o
planejamento e a execução de sua aula vai assumir a postura transmissora de
conhecimento. Por outro lado, um professor que emprega a “visão frontal” irá
horizontalizar suas práticas a partir de uma postura construtora do
conhecimento. Neste sentido, especificamente para a alfabetização, Viviane diz
que ninguém ensina ninguém a ler e escrever. Os “estalos” que a criança tem –
momentos onde ela entende o que está escrito e/ou consegue formular uma frase –
são resultado de seus processos cognitivos, que ocorreram mediante um
desenvolvimento mental em conjunto com as atividades realizadas para o
aprendizado em (mas não apenas) sala de aula.
A discussão, então, segue para o
comportamento da criança na escola, o que muitas vezes é fonte de situações
delicadas. Viviane, no entanto, diz que, para muitas dessas crianças, a escola
é o lugar da brincadeira, já que suas vidas fora da escola podem não contar com
espaços para diversão. A contradição é que, na escola, “não há tempo para
brincadeira”, já que existe uma preocupação com o que vai ser importante para a
criança no futuro: os conteúdos. E é nesse sentido que Boaventura de Sousa
Santos diz que, conforme ampliamos o futuro, reduzimos o presente, e aí nunca
estamos, de fato, preocupados com o que é importante e o que grita agora, neste
momento.
Uma das coisas que sempre é
importante para uma escola é o seu projeto político pedagógico (PPP), bem como
toda e qualquer proposta educativa levada para a sala de aula. Viviane diz que
uma proposta sem objetivo pensado e definido não tem por que ser realizada,
pois não será possível construí-la de forma significativa para a criança.
Seguindo este raciocínio, o mesmo se aplica para a escrita, que “tem que ter
uma função”. Uma frase provida de sentido e passível de ser visualizada e
imaginada pela criança se torna muito mais fácil, tanto de ser lida quando
escrita.
Viviane, então, pergunta para o
grupo se existem coisas mais simples, que devem ser ensinadas em um momento
anterior às coisas mais complexas. Uma cursista responde que ela tem percebido,
em sua prática docente, que muitas crianças aparecem com “travas”, pois são
muito autocríticas e não “se entregam” ao processo de aprendizagem. Viviane diz
que, no CAp, as turmas de primeiro ano são sempre muito heterogêneas em
diversos sentidos, já que são formadas a partir do sorteio. Ela tem percebido
que essa hierarquia simples/complexa parece não existir, já que cada criança
vem com uma bagagem que dialoga com o que ela constrói em aula. Isso está de
acordo com a ideia de autoformação, na qual a formação do indivíduo é garantida
por ele próprio, através de suas múltiplas vivências ao longo de sua vida,
desde o seu nascimento, não se limitando aos momentos escolares ou acadêmicos.
A seguir, Viviane passa uma
atividade na qual os cursistas devem olhar uma imagem cheia de letras por
alguns segundos e tentar memorizar o máximo delas. A proposta é, então,
repetida, mas dessa vez com palavras. E, por fim, com uma frase. O que se
observou foi que os cursistas memorizaram a frase mais facilmente que as
palavras isoladas e ainda mais facilmente que as letras isoladas. E aí o grupo
percebe que isso foi por conta do sentido, que está presente apenas na frase.
Viviane, então, pergunta: “por que alfabetizamos com letra?”. Uma pergunta que
fica sem resposta e que, a julgar pela reação dos cursistas, causa pelo menos
alguma reflexão.
Numa proposta seguinte, Viviane
mostra conjuntos de imagens diversas e pede que os cursistas tentem compreender
algum sentido por trás de cada conjunto. Eles concluem que um está ligado a
comerciais, outro relacionado a filmes, e por aí vai. Viviane, então, pergunta:
“leitores experientes podem ler qualquer tipo de texto?”. O grupo conclui que
sim, mas que o entendimento de um determinado tipo de texto pode ficar
comprometido, dependendo de alguns fatores. Concordam, no entanto, que é
possível levantar possibilidades acerca do sentido de um dado texto, exatamente
como elas fizeram com os conjuntos de imagens.
Em uma atividade seguinte, Viviane
passa uma música em outro idioma para que os cursistas tentem escrever o que
estão ouvindo, simulando o que acontece com uma criança que ainda não é letrada
(algo que ela enfatiza que não seria feito caso estivéssemos olhando “de cima”
e não “de frente”). Cada pessoa escreveu de um jeito, mantendo de certa forma a
pronúncia do que se era ouvido, mas com variações na escrita. Viviane explica que
essa atividade permite inferências únicas em cada pessoa, o que é bastante
enriquecedor em sala de aula, muito mais do que o “silêncio, deixem-me dar a
minha aula”.
Por conta dessas inferências,
resultadas das especificidades de cada criança, “não se pode colocar as mesmas
metas para todos”, já que os processos são individuais. Nessa jornada de
instituir, na criança, que ela tente mostrar o que é considerado melhor por
quem está avaliando, uma série de “atropelamentos” pode acontecer. Viviane
ilustra isso com a História do Pote Vazio, na qual um rei precisa escolher um
discípulo para seu trono. Ele dá uma semente para cada menino concorrente ao
trono e pede para que eles a coloquem em terra, para que a planta mais bela
possa nascer. Um dos meninos, protagonista da história, faz de tudo para que a
semente nasça, mas isso não acontece. No dia final, todos mostram seus resultados.
Enquanto o protagonista exibe sua semente, os outros meninos mostram plantas
belíssimas. O rei diz que não entende como essas plantas nasceram, já que todas
as sementes que ele forneceu estavam queimadas. O rei, então, elege o
protagonista como o herdeiro do reino. Viviane conclui dizendo que, nesta
história, o protagonista fez o seu próprio melhor e, por isso, foi premiado, ao
passo que as outras crianças são tomadas pela tentativa de alcançar o melhor
instituído externamente.
O encontro foi bastante
interessante, pois observei um engajamento bastante significativo por parte dos
cursistas. Após a timidez inicial, percebi que o tema de alfabetização e as atividades
e colocações que a Viviane fazia foram muito bem vindos pelos que estavam
presentes. Eu mesmo, que inicialmente não esperava muita contribuição para mim
(já que faço Licenciatura em Ciências Biológicas), gostei bastante do encontro.
Tanto que escrevi uma resenha detalhada e relativamente longa, pois acho que
muitas conclusões que a Viviane fez podem propiciar reflexões por qualquer
estudante ou profissional da área da Educação.
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Professora Viviane Lontra |
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