Crianças e mídias sociais: desafios para a Escola Básica - Nélia Macedo
Aula 1 - 14 de julho
A primeira aula do Curso Conversas 2016 foi aberta ao público como de costume. Além dos nossos cursistas e professores dos futuros módulos, estiveram presentes mais umas 20 pessoas, deixando o auditório do CAp bem ocupado. Quem ministrou a aula foi a professora Nélia Macedo do Colégio Pedro II. Nélia concluiu seu Doutorado em Educação em 2014 onde discursou sobre “crianças e redes sociais online” e foi em cima desse tema que se desenvolveu a primeira aula do curso.
A professora começou a aula com o mesmo ponto de partida da sua tese, nos questionando quem tem Orkut e/ou Facebook (na época em que começou a desenvolver sua tese o Orkut ainda era também bastante utilizado). Ela nos contou que ao perguntar isso numa sala de aula do 1º ano do Ensino Fundamental, onde as crianças mal liam e escreviam, a resposta foi assustadora – grande parte da turma tinha. Desse ponto ela começou a desenvolver sua pesquisa, que desejava compreender como as crianças usam as redes sociais.
Para compreender como esse processo ocorre, a professora resgatou o passado dessas crianças de hoje. São crianças que já nasceram em contato com redes sociais, diferente da maioria das pessoas que estavam presentes na sala, que só começaram a utilizar as redes sociais depois de jovem. As crianças que nascem nesse contexto, já vivem em rede e adquirem novas formas de sociabilidade, visto que o objetivo dessas redes é criar laços, conhecer pessoas e promover trocas, de informação, conhecimento e comunicação. Pensando nessas crianças que estão já tão imersas nesse contexto, que se identificam e reconhecem nessas redes, a professora nos questionou sobre a diferença da vida “real” e da vida “virtual”. Muitas vezes separamos esses “modos de vida”, porém, porque o virtual não seria real? O virtual também acontece no momento presente, inclusive estamos presentes lá também!
Na primeira fase da sua pesquisa a professora muito se baseou no Orkut, – principal rede social da época (2009) – porém, logo depois, em 2011, foi possível notar claramente a migração da maioria dos usuários para o Facebook, rede social que “domina” a internet até hoje. Estando em contato com crianças que muito utilizavam esses redes e tanto falavam sobre, a professora pesquisou o que os dados do CETIC (Centro de Estudos sobre Tecnologia da Informação e da Comunicação) diziam sobre as atividades realizadas por crianças e adolescentes na internet. Os dados analisados foram referentes aos anos de 2009, 2010, 2012, 2013 e 2014. De 2009 a 2013 a pesquisa indicava que o maior índice de uso pelas crianças eram feitos para fins escolares, o que não coincidia com o que os professores presentes acreditavam. Apenas em 2014 que as redes sociais estiveram em primeiro lugar no ranking das atividades, mas será que foi somente em 2014 mesmo que as redes sociais dominaram o uso da internet entre os jovens?
Nesse momento, a Nélia nos apresentou algumas premissas para a elaboração da sua pesquisa. 1) Dualismo online x off-line (estamos presentes nas redes sociais mesmo quando off-line); 2) Redes sociais como busca pelo outro (por isso a grande quantidade de perfis fakes com diversos fins); 3) O poder de fala das crianças nas redes (horizontalidade); 4) O caráter dialógico e alteritário. A partir disso a professora partiu para a problematização da sua tese, que foi feita através de conversas com crianças na redes – chats e inbox principalmente. Ela nos mostrou diversas conversas que teve com crianças, algumas com alunos, outras com crianças que adicionava aleatoriamente. Após lermos e analisarmos algumas dessas conversas nos questionamos sobre alguns pontos.
Se tratando especialmente do Facebook, abordamos sobre a questão da faixa etária indicada para a utilização do site. Quando a empresa foi criada era destinada a um público maior de idade, hoje já baixou sua faixa etária para 13 anos. Eles alegam que saber a idade do usuário “ajuda a favorecer a experiência certa”. A questão que nos indagamos é que há muitos usuários que não possuem os 13 anos e mesmo assim fazem uso da rede. Sabendo disso, deveríamos aceitar esse uso, pesquisa-lo e usá-lo como uma ferramenta positiva, em vez de fechar os olhos para esse fato. Debatendo sobre essa questão muito foi falado que as propagandas e ofertas de páginas pela rede estão muito mais associadas as pesquisas feitas pelo computador do que a faixa etária indicada pelo usuário da conta, ou seja, quem o Facebook quer enganar fingindo se preocupar com a experiência dos usuário? Ainda sobre o Facebook, a Renata e a Graça questionaram um ponto interessante sobre a “máscara” que utilizamos nas redes sociais. Quem somos nós nessas redes? Em cada lugar somos um “eu” diferente. Na escola temos um papel, em casa outro e em um momento de lazer outro. No Facebook somos apenas mais um dos tantos “eus” que temos dentro de nós. Lá mostramos apenas o que nos convém.
Refletindo sobre todas essas questões e considerando o grande uso das redes pelas crianças nos propusemos a questionar que tipo de abordagem a escola pretende ao bloquear os sites que as crianças mais usam na internet. Elas já estão inseridas nesse meio, já fazem o uso dessas redes com grande familiaridade, porque ainda tratar desse tema como um tabu? As redes sociais possuem um grande potencial, podemos utiliza-las como ferramentas positivas para fins escolares, seria interessante justamente pela afinidade que as crianças demonstram. Porém, enquanto isso, o que se vê nas aulas de informática são crianças jogando jogos bobos, que nem elas mesmas veem graça.
Avançando sobre o processo de pesquisa apresentado pela professora Nélia, ela nos contou que em um certo momento percebeu um erro grave no seu método. As conversas com as crianças estavam se dando de maneira muito maçante por conta de tantas perguntas que ela fazia a eles. Foi quando ela percebeu que para conseguir compreender o “mundo” das crianças na internet ela deveria perguntar menos, ouvir mais e ver onde a conversa iria chegar. A ideia era dar oportunidade para as crianças falarem as coisas que elas acham interessante, possibilitando assim uma aproximação na linguagem. Desse modo, as crianças a apresentaram diversos jogos, que nos rendeu muito debate. Comentamos sobre dois jogos em especial que as professora elegeu como preferido das crianças – it girl e car tonw. Em ambos jogos para que você pudesse crescer/passar de fase/evoluir era necessário ter uma rede de amigos com quem você pode trocar vidas/experiências. Outra opção para um desenvolvimento mais rápido no jogo é pagar por isso. Isso nos prova que o Facebook é uma empresa que nos estimula a estar sempre consumindo, a lógica é: ter muitos amigos, ter muitas curtidas, curtir muitas páginas, trocar mais informações, etc. Na capa de login está a seguinte mensagem “É gratuito e sempre será!”, já parou para pensar que nesse caso nós somos o produto e não o cliente? Quem paga para estar ali é para divulgação, nesse caso, nós somos os consumidores, por isso não pagamos (teoricamente).
Por fim, a Nélia nos contou sobre uma oficina que está desenvolvendo no Pedro II com o intuito de observar o uso das crianças com as tecnologias de informação. Um espaço para elas usarem e conversarem sobre os sites, jogos e músicas. Parece que até agora as crianças tem se interessado bastante! Finalizando a aula, a Renata afirmou mais uma vez a importância da inserção da internet na escola, já que é uma ferramenta muito utilizada pelos alunos e sugeriu que talvez seja necessário sair do ambiente escola para aprofundar na pesquisa, para que não vejamos as crianças somente como alunos.
Por Isabela Travassos